
Em 1931 a Reforma Francisco Campos (Decreto nº 19.890, de 1931) organizou o ensino secundário no país, dividindo-o em dois cursos seriados: fundamental (com duração de cinco anos) e complementar (com duração de dois anos), este último exigido para o acesso a alguns cursos superiores. A reforma também tornava obrigatório a aprovação em exames para admissão ao ginásio e, com isso, acentuava a descontinuidade entre o primário e o secundário, além de conferir caráter elitista e excludente a este último. (Nunes, 2000; Minhoto, 2007; Silva, 2016). A reforma de 1942, de Gustavo Capanema, não alteraria essa condição[i].
Chama a atenção que variados discursos que circularam nas décadas de 1940 e 1950 (período de grande expansão do secundário em todo o país), especialmente em veículos voltados à Educação, não raro chamavam a atenção para a “crise do ensino secundário”. A revista da Editora do Brasil S/A, Documentário de Ensino, publicação mensal que circulou entre 1947 e foi desativada nos anos 1990, pautou, em diferentes momentos, seja em editoriais ou artigos assinados por professores, presidentes de sindicatos, diretores etc. a preocupação com o secundário, e com as propostas de reformas encampadas pelo Estado que visavam resolver tal crise. O editorial de julho de 1948, constatava:
A organização do ensino secundário tem sido, entre nós, tanto no Império, como na República, objeto de constante e geral preocupação. Sistematicamente fala-se no “baixo nível” do ensino médio apontando-se como causas da “desorganização” fatores intrínsecos representados por “erros” de estruturação do próprio ensino e por “vícios de origem” da rede escolar. (EBSA, Editorial, ano I, n.9, julho de 1948, aspas no original)
Dentre os problemas considerados mais graves chamava-se a atenção para aqueles relacionados a baixa qualidade do ensino ofertado ou, em outra ponta, um ensino essencialmente acadêmico e teórico dos programas escolares secundários que preparavam apenas uma restrita elite para os cursos superiores ou ocupações de “colarinho e gravata”, deixando de preparar a grande massa de estudantes para a vida real, para a compreensão dos problemas da sociedade contemporânea, e para o trabalho. Deve-se destacar que somente o curso secundário preparava e dava acesso legal aos cursos superiores. As outras modalidades de ensino médio existentes – normal, industrial ou comercial – não permitiam tal acesso até pelo menos 1953, quando a Lei nº 1.821 aprovou a equivalência entre os diferentes cursos de nível médio para efeito de matrícula no ciclo colegial e nos cursos superiores.
Os debates em torno do secundário nas primeiras décadas do século XX expressam ambiguidades que podem ser observadas também nos debates atuais sobre o Ensino Médio[ii] e subsidiam argumentos para a necessidade de reforma nesse nível de ensino. Em que pese que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, tenha estabelecido que o Ensino Médio seja a etapa conclusiva da Educação Básica, observa-se que ainda não foi superado seu caráter dual. A questão que permanece é se Ensino Médio deve preparar para o mundo do trabalho ou para a continuidade dos estudos dos jovens, independentemente de sua condição social. O grande desafio – dentre outros a ser enfrentados – é articular essas dimensões de modo competente. É pensar na natureza da formação que se quer ofertar, sem cair na armadilha datada do dilema da dualidade entre uma formação acadêmica e uma formação profissionalizante. O caráter político de sua concepção precisa urgentemente ser repensado, debatido. Por isso que aprovar uma reforma do Ensino Médio por Medida Provisória (746/2016) sem amplo debate nacional é uma afronta a todos aqueles e aquelas que pensam a Educação nesse país e que dela necessitam. A Revista História Hoje, assim como também tornou público seu repúdio ao Movimento Escola Sem Partido, acompanha aqui o manifesto da Associação Nacional de História – ANPUH[iii], e se coloca contrária a forma como o governo tem conduzido o processo de reforma do Ensino Médio, ou seja, através de Medida Provisória, bem como se posiciona contra sua aprovação no Congresso Nacional, nesses termos.
Ao encontro desses desafios e na perspectiva de contribuir para discussões necessárias relativas a permanências e mudanças no Ensino Médio, este novo número da Revista História Hoje apresenta a seus leitores o Dossiê Ensino de História na Educação Profissional. Organizado pela Profa. Dra. Olivia Morais de Medeiros Neta, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pelo Prof. Dr. Francisco das Chagas Silva Souza, do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN) o dossiê reúne artigos que problematizam o lugar da disciplina de História e as práticas pedagógicas dos professores no Ensino Médio Integrado à Educação Profissional. Esperamos que não apenas os artigos desse dossiê e a entrevista realizada com Prof. Dr. Ronaldo Marcos de Lima Araujo, mas também os artigos das diferentes seções da Revista possam servir de estímulo à reflexão e ao combate por um ensino de História capaz de estabelecer diálogos críticos com os mundos que habitamos em nossas diferenças e singularidades.
Boa Leitura!
Cristiani Bereta da Silva – Editora
Florianópolis, primavera de 2016.
[i] Em 1942, o ensino secundário sofreu nova alteração com a Reforma Gustavo Capanema (Decreto-Lei nº 4.244). Ele foi dividido em dois ciclos: um primeiro de quatro anos, chamado de ginásio, e um segundo de três anos, chamado de colegial (com dois tipos de curso: científico e clássico).
[ii] A Lei nº 5.692, de 1971, unificou o ensino primário com o ginásio, constituindo o Primeiro Grau, com duração de oito anos e o Segundo Grau, com duração de três anos. Essa denominação vigorou até a Lei n°. 9.394/96, que passou a denominar esses mesmos níveis de ensino como Ensino Fundamental, com duração de nove anos e Ensino Médio, com duração de três anos.
[iii] Disponível em: http://site.anpuh.org/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/3780-nota-da-associacao-nacional-de-historia-sobre-a-mpv-746-2016. Acesso em 31 out. 2016.